Era uma tarde corriqueira, nada de especial, nada
de muito ruim, apenas uma tarde como qualquer uma das muitas tardes dos vinte e
quatro anos da vida de Douglas. Como de costume, ele havia acordado cedo,
colocado o modo “soneca” de seu telefone celular pelo menos umas duas ou três
vezes, protelando o pior momento de todos do dia: o de levantar de sua
cama. Ele acordou, levantou-se e foi ao
banheiro. Desta vez o banho foi longo e quente. Mais uma vez ele se lembrou de
sua cama. Por mais tentadora que fosse a
idéia de voltar e dar mais uma cochilada, ele sabia que não poderia, afinal,
tinha um compromisso inadiável todas as manhãs com o seu maçante e desanimador
estágio. Não que o estágio fosse ruim, ou péssimo ou que não acrescentasse nada
em sua vida, ele apenas não tinha vontade nenhuma de ir. Mas era isso que
pagava algumas de suas poucas regalias como a internet banda larga ou o cinema
com a namorada.
Douglas
trabalhava em uma instituição de ensino governamental, não era propriamente uma
escola, mas proporcionava aos menos favorecidos a possibilidade de aprender
algum ofício, tornando as suas vidas melhores. Isso era uma boa coisa e Douglas
podia pensar: Estou fazendo a diferença! Ou então: O meu trabalho pode estar
transformando alguém em uma pessoa melhor para o mundo! Mas isso não era
verdade. Papéis, relatórios, burocracia. Na realidade, não estava ajudando
ninguém. Pior: ele estava perdendo sua vida, e, cada dia que passava, pensava
que tinha um dia a menos, tornando sua vida uma eterna contagem regressiva até
o dia de sua morte.
O que
nosso intrépido amigo não pensava era que o mundo é movido por fatos aleatórios
e que todas as coisas do universo são movidas a probabilidades. Imagine dessa
forma: Você está apressado para chegar ao seu dentista e corre para atravessar
uma rua. Distraído, não percebe que um carro vem em sua direção. São milhões de
probabilidades fervilhando contra você e outras milhões ao seu favor. Será que
você vai tropeçar? Será que vai encontrar uma moeda no chão e parar na calçada
antes da fatídica hora e evitar um trágico acidente? Ninguém sabe ao certo não
é? Ou será que sabe? Com certeza Douglas não sabia que toda essa conspiração
universal convergia nessa pessoa desinteressante que ele intitulava
simplesmente com “eu”.
Douglas
não iria ao dentista essa tarde. Na verdade detestava os dentistas e achava
que, principalmente os ortodontista, tinham como matérias de estudo da
faculdade alguma coisa parecida com “tortura I”, ou “requintes de crueldade
avançado”, e que estes eram a personificação do personagem “Jason” de um filme
de terror muito famoso. Tudo isso foi fundado nas suas experiências pessoas e
em um tratamento, ainda em curso, que o motivava a cada dia odiar mais e mais
essas singelas criaturas.
Retornando
à aquela tarde (era uma tarde comum mesmo!), ele pegara o ônibus lotado de
sempre, e se espremia em busca de um assento, ou de talvez um pouco de
oxigênio. O seu destino era a
universidade, onde passava todos os seus fins de tarde e noite estudando no
curso direito (que na sua concepção, de direito não tinha nada) e procurando o
que todo mundo quer: uma vida melhor num futuro. O tempo dentro de um ônibus é
diretamente proporcional ao tempo de um orgasmo. Como no orgasmo segundos
parecem horas, dentro de um ônibus lotado, com vários desconhecidos e aquela
musica “ambiente” insuportável, os minutos pareciam anos.
Inconscientemente,
Douglas puxou de sua velha e rasgada mochila um par de fones de ouvido e o
plugou em seu aparelho de telefone, sentindo um alívio inexplicável quando sua
“playlist” começou a tocar. A sua trilha sonora era, com certeza, muito mais
interessantes do que o sertanejo universitário emitido do rádio à pilha de um
rapaz sentado no banco à sua frente. Douglas pensou por um minuto sobre como
esse tipo de música tinha, de uns tempos pra cá ganhado uma grande repercussão
na mídia brasileira e o quanto ruim era aquilo aos seus ouvidos, mas não perdeu
muito tempo nisso, e logo voltou ao lugar que ele se sentia mais confortável, a
sua mente.
Por
vários minutos as musicas tocaram, as pessoas se colidiam e caras novas surgiam
dentro do transporte enquanto as ruas passavam. Ninguém estava prestando
atenção em Douglas e muito menos ele prestava atenção em alguém em especial.
Foi neste momento, entre a Rua 23 de Dezembro e a Avenida Perdigueira, que o
destino agiu. Tudo aconteceu tão rápido que ninguém dentro do ônibus entendeu
ao certo o que aconteceu. Uma freada brusca, um solavanco, um momento geral de histeria, um poste.
Alguém não teve as probabilidades ao seu favor naquele dia (ou simplesmente
devia estar indo ao dentista, vai saber!), mas o ocorrido foi que ao tentar
atravessar a rua, alguém encontrou um ônibus lotado em seu caminho, e ao tentar
desviar, sem sucesso, o motorista da condução, um certo senhor Carlos, atropelou
um homem e perdeu o controle do veículo, batendo bem de frente com um poste.
Pessoas
morrem todos os dias, é uma terrível realidade, mas acontece. E foi o que
aconteceu com o homem, com o motorista que voou o para-brisa, e com o pedestre
que passava ao lado do poste - que agora pendia ao chão. Mas Douglas não
pensava nisso, só pensava na dor aguda que vinha de sua cabeça, provavelmente
pela força com a qual ela encontrou o banco que estava em sua frente. Por
alguns outros segundos ele também pensou na poça de sangue que se formava no
chão ao seu redor, escorrendo pela testa e obstruindo a sua visão, mas,
enquanto sua vista escurecia e ele descobria a sensação de perder os sentidos,
com certeza, o que mais chamava sua atenção era aquela voz dentro de sua cabeça
falando-o em tom exaltado: - Droga, não era pra isso ter acontecido! Vamos ter
que consertar isso Zac. Douglas, não se preocupe, ainda não é a hora de você
ir, e bem... Desculpe pelo transtorno.
Aquilo foi realmente estranho para uma tarde de
terça-feira.
Eu curti isso porque bons livros sempre começam com bons mistérios! E há um mistério melhor do que uma voz dentro da sua cabeça falando em tom exaltado que as coisas fugiram de controle? Não, não há! hahahaha Parabéns cara, continua com isso que tá ficando muito bom.
ResponderExcluirps: Essa idéia do dentista-jason é universal, rapaz.
Comecei cunhado! Vamo que vamo! Gostei muito desse começo, mas acho que você deveria dar um nome à história! hehe
ResponderExcluirBjs!