terça-feira, 6 de março de 2012

Capítulo 1.1 - Sonhando com a Morte...


        Douglas acordou assustado com o primeiro toque de seu despertador. Normalmente isso não aconteceria tão rápido nem tão bruscamente como hoje e talvez isso tivesse ocorrido devido ao estranho sonho da noite passada, um sonho tão real que quase lhe causou dor de cabeça. Não é todo dia que se sonha com música sertaneja, acidentes de ônibus ou até mesmo com a própria morte, mas eram essas as últimas imagens que pairavam em sua mente. Elas eram tão reais que, se não fosse loucura, ele podia realmente acreditar que tudo havia acontecido. Mas ele estava bem vivo e decidiu tentar limpar seus pensamentos.
        Mas, desta vez, o primeiro toque foi suficiente para  levantar-se de sua cama e tomar um banho gelado e rápido. Durante o banho, ele se estapeou, beliscou, e sentiu dor suficiente para se certificar que realmente estava acordado, porque sua sensação de déjà vu era tão grande que teve impressão de que até mesmo a posição de sua escova de dente era a mesma do dia anterior. Douglas foi trabalhar, e ao chegar lá descobriu que todo o seu trabalho do dia anterior havia sido desfeito. - Mas que brincadeira de mal gosto! Quem foi o engraçadinho? Alguém o havia mandado fazer o mesmo trabalho duas vezes. Sem pensar muito, foi direto a sala de seu chefe, um sujeito mal humorado que normalmente fazia questão de dificultar a sua vida e respondia pelo nome de Alencar.
        Alencar era um indivíduo comum, de estatura e físico comum. Na verdade a única característica que era incomum em Alencar era a sua capacidade de inferiorizar ainda mais os colegas de hierarquia menor. Douglas já esperava escutar as piadinhas sem graça de seu chefe, mas o que ele não esperava foi justamente o que se sucedeu: - Com licença senhor Alencar, posso entrar? Perguntou Douglas por entre a porta meio aberta do escritório da chefia. - Suponho que eu não tenho escolha, já que você já entrou não é? Por favor, seja rápido, porque eu estou numa conversa muito importante aqui na internet, e só porque você não pode acessar o “chat” do seu computador não significa que você pode me atrapalhar. A propósito Douglas, cadê aquele relatório que eu mandei você me entregar logo pela manhã? Perguntou Alencar em tom de zombaria. - Bom, é exatamente sobre isso que eu vim lhe falar senhor, se eu não me engano eu não lhe entreguei isso ontem mesmo? E lembro até de o senhor me pedir para alterar quase metade do relatório por não achar de acordo com o padrão da empresa, então... Mas antes de terminar a frase o rosto do velho rabugento já estava vermelho e parecia que ia explodir em mil pedacinhos. – Você tá me achando com cara de palhaço, senhor estagiário? Ou você está me chamando de mentiroso? Eu saberia se você tivesse me entregado o relatório, que a propósito nunca foi muito bem feito, então, se você quer continuar a trabalhar nessa empresa, saia daqui e só volte com a droga do relatório pronto, está me ouvindo?
        Aquilo foi a gota d’agua para Douglas. Uma resposta que derrubaria Alencar de seu salto-alto já estava na ponta da língua, mas alguma coisa chamou sua a atenção e o fez desaprender a falar. Alencar sempre se gabou de sua linda Mercedes esportiva, porém o carro nunca foi seu de fato. Era de sua esposa, a filha de uma socialite conhecidíssima, riquíssima e mais algumas “-issimas”, que deu o azar de engravidar ainda nova de Alencar. Tudo aconteceu durante uma conturbada noite regada a álcool, um estúpido jogo de verdade ou desafio, uma piscina aquecida e... Mas enfim, ela tinha o carro e ele tinha um filho dela. Não obstante se gabar do carro, na parede do escritório, Alencar mantinha um enorme calendário com vários modelos de carros Mercedes, e a data que o calendário marcava era o ponto “x” da questão.
        A data marcada era 22 de abril de 2012 e, pasmem, era a mesma data do dia anterior! Ainda desnorteado com a nova informação, Douglas balbuciou alguma coisa para o chefe, que poderia ser: “Olha que carro legal esse no seu calendário, a propósito, eu estou ficando louco e voltei no tempo!” ou então: “Eu adoraria comer algumas empadas de sola de sapato, com mostarda, por favor”. Nem ele sabia ao certo o que disse, mas disse, e saiu. Em seu computador, checou vários site de notícias, seus e-mails e deve ter perguntado para umas dez ou onze pessoas se a data estava certa ou aquilo era uma espécie de “Dia Nacional do Ontem”.  Fora as pessoas que o olharam como se ele fosse um doido varrido, a resposta era sempre a mesma: 22 de abril de 2012, sem mais ou menos nem um diazinho sequer.
        Douglas estava enjoado demais para almoçar (o mesmo almoço de ontem!) e ficou comparando as coisas que iam acontecendo com as que já tinham acontecido no “dia anterior”. Adivinhem: Eram todas iguais. Sem nem perceber e obcecado pela estranha situação que se encontrava, ele estava refazendo seus passos, tudo igual, até que chegou ao ponto de ônibus de sempre. Ele pegou o mesmo ônibus, na mesma hora, com as mesmas pessoas, até mesmo o rapazinho do radinho à pilha estava sentado lá, escutando o seu sertanejo universitário. De repente uma cutucada nas costas de Douglas o tirou de seu transe. Ao se virar, deu de cara com um rapaz com mais ou menos a sua idade olhando fixamente em seus olhos. O garoto vestia jeans e camiseta branca, e não tinha nada de anormal, tirando os seus olhos, que pareciam emitir uma luz bem fraca por baixo dos óculos escuros tipo aviador.
        O rapaz encarava Douglas sem falar nada, mergulhando os dois em um silêncio constrangedor. Mas alguém cedeu ao embaraçoso momento, e Douglas falou: - Errr, sim? O rapaz levantou uma das sobrancelhas e falou, ainda encarando-o: - Amigão, esse ônibus chega pra Avenida Perdigueiras? Nesse momento Douglas pensou: Ou eu “embirutei” de vez, ou eu já escutei essa voz, e ela falava dentro da minha cabeça! Douglas só teve tempo pra virar a cabeça, e vomitar nos pés do cara do sertanejo.